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Gracilene Dias do Rosário - O Barro: O Caminho e as Veredas de Maragogipinho

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1. INTRODUÇÃO

Este projeto expográfico tem como objetivo apresentar uma das perspectivas da relação existente da população que vive no distrito de Maragogipinho, no fazer dos ceramistas desta localidade, sendo que a coleção de fotografias da exposição se deterá a identificar o registro do uso do elemento primaz para a obtenção do objeto cerâmico, ou seja, o barro. O barro está aqui destacado, visto que é o material fundante para que ocorra à produção cerâmica da região, a qual, já é fato sabido, que o distrito é o maior produtor da arte cerâmica da região.

Todo o material fotográfico da coleção apresentada nesta exposição foi coletado na viagem acadêmica realizada no dia 14/10/2023, para Maragogipinho, que é um distrito da cidade Aratuípe, no estado da Bahia. Foi realizado o trajeto rodoviário, com um ônibus cedido pela a Universidade Federal da Bahia, sob a orientação do docente José Cláudio Alves de Oliveira, que ministra o componente curricular Seminários Temáticos IV - FCHG87, do curso de Museologia da UFBA. As fotografias foram realizadas através do aparelho celular da marca Xiaomi, modelo Redmi Note 12.



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2. HISTÓRICO


Está datado que as atividades da produção dos ceramistas em Maragogipinho iniciou-se ainda no século XVII. Neste período este tipo de produção objetivava servir de atividades fabris relacionadas as construções e, que começaram a ser estabelecidas a partir da ocupação populacional da região e de outros locais que circundavam o distrito do Recôncavo Baiano, como citado abaixo:


Os registros históricos (fig. 3) da atividade cerâmica na região de Maragogipinho reportam ao século XVII, quando começam a ser instaladas olarias junto aos engenhos de açúcar do Recôncavo Baiano e aos colégios dos jesuítas para o provimento de louças, tijolos e telhas (CARBONELL, 2016, p. 7; PEREIRA, 1957, p.12).



Em um panorama mais atualizado, o distrito que possui cerca de 150 olarias, sendo algumas olarias mais antigas, que ainda possuem as conformações com as suas estruturas preservadas, e que estão com maior proximidade do Rio Doce, que é um desmembramento do Rio Jaguaribe, rio este que corre ladeando Maragogipinho, mas, sobretudo, é um nascedouro aquífero, com dada relevância para a produção cerâmica, como também para as outras atividades que são o sustento do distrito, como, o barro, que também alimenta e retroalimenta o manguezal. Em conjunto com as outras olarias mais distanciadas do rio, estas construções, perceptivelmente, têm suas características mescladas com elementos mais contemporâneos, e quando observadas se é possível compreender o funcionamento de um complexo arquitetônico engendrado de atividades, que compõem toda cadeia operatória da arte ceramista.

A autora Iaçanã, descreve abaixo a conformação das construções das olarias em Maragogipinho, destacando as manutenções preservadas e também as modificações implementadas nas construções mais recentes.


A madeira é utilizada em sua forma bruta, ou seja, sem um acabamento ou tratamento e constitui toda a base do espaço físico. O seu fechamento forma um tipo de delimitação com espaços vazados entre as madeiras, como se fossem grades verticais, permitindo assim ventilação e um pouco de iluminação ao espaço. A palha é utilizada como fechamento das “paredes”. Sua cobertura ou teto é de telhas cerâmicas e em poucos casos se encontram telhas de amianto. O seu piso é de chão batido, ou seja, de terra, mas já encontram-se algumas com piso de fina camada de cimento. (SIMÕES, 2016, p.51)



A imaterialidade do saber do fazer continua a perpassar gerações das famílias que residem no distrito, mesmo com as modificações inerentes as mudanças geracionais a que qualquer sociedade sofre ao longo dos anos. Contudo, a população distrital de Maragogipinho diariamente evidencia que a sua ancestralidade continua sendo reverberada, vista a manutenção de resistência deste polo cerâmico, que persiste fortificado.

Cabe salientar que as atividades realizadas nas olarias são feitas por mulheres e homens, que chegaram até este ofício através dos ensinamentos dos mestres e mestras da região, e que foram os responsáveis por perpetuar o saber fazer cerâmico em Maragogipinho, ainda que estes mestres não sigam um referencial rigoroso e academicista, repassam o seu conhecimento com uma aplicabilidade de ensinamentos vastos em originalidade.


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3. O BARRO NOS CAMINHOS E NAS VEREDAS DE MARAGOGIPINHO

Reconhecer a patrimonialização dada a um objeto ou a uma edificação em espaços formalmente postos como espaços de memória é algo de mais fácil acesso de se identificar, a partir de um ideário de patrimônio ainda calçado diretamente com a materialidade. Uma perspectiva que já não contempla o que foi apontado por Waldisa Rússio, ainda na década de 1980, quando ela determinava a conceituação do que é “fato museológico”, mesmo ao atrelá-lo ao papel da institucionalização do museu.

Para Mário Chagas, ao considerar o que Waldisa afirmara sobre a musealização, inicialmente, ele já concorda com a autora quanto a documentalidade que cada objeto carrega consigo, assim como, posteriormente, o autor também corrobora que o homem interfere na forma como este objeto performará como documento, mesmo que este não esteja instalado em uma instituição museológica, como afirmado no trecho abaixo:


Por essa ótica, os documentos são considerados testemunhos fidedignos do homem e do meio ambiente. É assim que autora abre espaço para operar com "o ambiente físico natural", com o "ambiente físico alterado pelo homem", com as "criações do seu espírito, todo o seu ideário, seu imaginário", as suas intervenções, atuações e percepções. (CHAGAS, 2002, p. 4)


E é também, a partir das considerações pontuadas por Chagas, e já embasadas por Rússio, que está posta a proposta desta exposição, ao considerar que o homem como agente da cultura, e por meio do trabalho, interfere no que o mesmo produz como patrimônio, e em todos os seus eixos relacionais será dimensionado uma valoração ao que deverá preservado ou descartado, conforme descrito no trecho abaixo:



A equação que ela arma pode ser assim resumida: trabalho é cultura, "é ação transformadora do homem sobre a natureza, sobre si próprio e sobre as relações entre os homens"; o trabalho gera bens a que se atribui valores e significados, esses bens conformam o patrimônio cultural; o patrimônio pode ser criado, preservado e destruído. (CHAGAS, 2002, p. 4)


Os caminhos e as veredas de Maragogipinho, deste distrito do Baixo Sul, estão margeados, ladeados, encruzilhados e atravessados em seu percurso e em seu cotidiano, por elementos e objetos, que tem por fundamento em sua formação o barro. Seja ele, nas obras dos artistas ceramistas que são produzidas nas olarias, seja, nas telhas cerâmicas que estão nos tetos das habitações, seja, nos tijolos cerâmicos dos fornos que realizam a queima. Ou seja, esta localidade que na sua produção diária nas olarias para obtenção das obras cerâmicas está por realizar o tratamento do barro - a modelagem, a secagem, o acabamento e a queima - também tem na sua topografia a constante presença do barro e argila, para além das atividades diretas dos ceramistas.


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4. O INÍCIO DA DOCUMENTAÇÃO MUSEOLÓGICA DA COLEÇÃO

Como parte do processo de estruturar esta exposição, para além da sua disposição expográfica que os outros tópicos descreveram até aqui, foi estendido para o exercício de iniciar a documentação museológica, visto que a Museologia tem como uma ordenança desta área, viabilizar a preservação, investigação e comunicação do que for patrimonializado, mesmo que neste caso, não tenha sido institucionalizado. E ainda que a execução seja feita de modo primário, a coleção de fotografias foi submetida, a catalogação das suas codificações de registro.

Para fundamentação teórica foi utilizado o referencial o texto Documentação Museológica, de Maria Inez Cândido, publicado na 2ª edição dos Caderno de Diretrizes Museológicas, onde a autora nas considerações iniciais, já pontua a seguinte afirmação quanto a documentalidade do objeto. ”Partindo-se do pressuposto de que objetos/documentos são suportes de informação”. (CÂNDIDO, 2006, p.32). Portanto, partindo desta proposição, ainda que o objeto não esteja em uma instituição museológica, está sobre ele a sua historicidade e as características da sua atuação como documento, determinará sua preservação ou descarte, sua valorização ou não.

Mas, o objeto pode ser tratado como um emanador da informação, e a partir disto, se é determinado de que forma e até quando será mantida a sua preservação, logo, sua memória e o registro desta salvaguarda da memória. Conforme posto pela autora no trecho da publicação que segue abaixo:


Pela via do documento (bem cultural) eu me reaproximo dos conceitos de patrimônio e memória. Como foi visto, os documentos são representações de memória e suportes de informação. A preservação do suporte é contingente em relação à preservação da informação. (CÂNDIDO, 2006, p. 32)



Por meio de outra análise feita pela autora, está posto o objetivo alcançado na apresentação da coleção de fotografias nesta exposição, quando está proposto considerar que os objetos e construções fotografados na comunidade de Maragogipinho, estão expressando a sua materialidade e sua imaterialidade, logo, em uma percepção possível de se compreender e identificar o fato museológico acontecendo. Abaixo seguirá um trecho da obra que coaduna com o que se observou no distrito.


Objetos comuns e anônimos, frutos do trabalho humano e vestígios materiais do passado, correspondem às condições e circunstâncias de produção e reprodução de determinadas sociedades ou grupos sociais. Na natureza latente desses objetos, há marcas específicas da memória, reveladoras da vida de seus produtores e usuários originais. Mas nenhum atributo de sentido é imanente, sendo vão buscar no próprio objeto o seu sentido. Para que responda às necessidades do presente e seja tomado como semióforo, é necessário trazê-lo para o campo do conhecimento histórico e investi-lo de significados. Isto pressupõe interrogá-lo e qualificá-lo, decodificando seus atributos físicos, emocionais e simbólicos como fonte de pesquisa. Assim, dentro do contexto museológico, em especial o expositivo, o objeto se ressemantiza em seu enunciado, alcançando o status de documento. (CÂNDIDO, 2006, p. 32)


Encerra-se o percurso expositivo da coleção, que os bens culturais identificados nesta exposição, eles podem ser alçados ao status de objetos que podem passar pela musealização, e com isto, performarem como objeto/documento, e, sobretudo valorando o papel do barro como o agente motriz para a população do distrito de Maragogipinho. Abaixo segue mais um trecho que a Cândido aponta esta ação, como um caminho possível.

Assim, o potencial de um objeto museológico como bem cultural se estabelece a partir do somatório das informações de que ele se torna portador. Ou seja, materiais, técnicas, usos, funções, alterações, associados a valores estéticos, históricos, simbólicos e científicos, são imprescindíveis para a definição do lugar e da importância do objeto como testemunho da cultura material. Mas para além desta abordagem, contendo informações intrínsecas e extrínsecas sobre o objeto, é importante ressaltar que este só se torna um bem cultural quando o indivíduo/a coletividade assim o reconhece. (CÂNDIDO, 2006, p. 34)



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REFERÊNCIAS


CARBONELL, Sonia. A. Maragogipinho - as vozes do barro: práxis educativa em culturas populares. São Paulo, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2016.tde-11052016-163601 Acesso em: 13 nov. 2023.

CÂNDIDO, Maria. I. Documentação Museológica. In: NASCIMENTO, Silvania; TOLENTINO, Átila; CHAGAS, Mário (coord.). Caderno de Diretrizes Museológicas. 2ª Edição. Brasília. 2006, p. 31- 77. Disponível em: 

http://www.sistemademuseus.mg.gov.br/wp-content/uploads/2019/04/Caderno_Diretrizes_I-Completo.pdf Acesso em: 10 nov. 2023.

CHAGAS, Mário. S. Cultura, Patrimônio e Memória. Revista da Faculdade Porto-Alegrense de Educação, Ciências e Letras. v. 31, p. 15-29, 2002. Disponível em: https://mariochagas.com/producoes-bibliograficas/artigosecapitulos/ Acesso em: 13 nov. 2023.

SIMÕES, Iaçanã C. A CERÂMICA TRADICIONAL DE MARAGOGIPINHO. Salvador, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/20944 Acesso em: 10 nov. 2023.







1 comentário:

  1. O texto foca bastante na museologia e traz registros bastante ilustrativos, com síntese clara e direta.

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